“Novo Código de Processo Civil para o Brasil”

Procurador do Estado publica artigo no jornal Estado de Minas

*Leonardo Oliveira Soares

Em 16 de março de 2015, foi sancionado o novo Código de Processo Civil (CPC) para o Brasil. Linhas gerais, pode se dizer que dito Código contém as normas de funcionamento da justiça, estabelecendo, por exemplo, a que juiz devo me dirigir, qual o prazo para apresentação de defesa, que audiências serão designadas, quais os recursos cabíveis no processo, dentre outras disposições. Enfim, aprovou-se Código que cuidará, por assim dizer, das regras do jogo, em se tratando da justiça brasileira.

A respeito, façamos pequena abstração para, ao invés do processo judicial, considerar o jogo futebol. Mais precisamente a Copa do Mundo. Por motivos óbvios, deixemos de lado a de 2014. Pensemos, então, na Copa de 86. Aquela em que a Argentina sagrou-se campeã, após desclassificar a seleção inglesa com um gol de mão. Um gol feito pelas mãos de Deus, segundo Diego Maradona. Suponhamos que, antes daquela copa, tivesse sido alterada uma das regras de arbitragem até hoje em vigor para, com isso, permitir ao juiz, em casos duvidosos, consultar sistema de imagem, ainda durante a própria partida. Certamente o gol, ilegal, não se discute, teria sido anulado e, talvez, a Argentina não se sagrasse campeã mundial. Pergunto-lhes, caros leitores: teria sido boa essa alteração? Para os ingleses e, por que não dizer, para nós, brasileiros, a resposta positiva seria imediata. Já para os argentinos…

Deixemos de lado, contudo, atividades disciplinadas pelo homem e tenhamos em conta evento da natureza. Todos os que agora me acompanham, operadores do direito ou não, têm ciência de que vivemos época de escassez de água. Nesse contexto, imaginemos mudança climática a produzir considerável quantidade de chuva durante longo período. Será digna de elogio tal alteração? Para grande parte das pessoas, sim, em vista da ampliação do volume dos reservatórios que abastecem a coletividade. Já para aqueles que venhama perder parentes, ou mesmo seus bens em função das chuvas, creio que a resposta caminhará noutra direção.

Essas duas ilustrações me permitem extrair conclusão de ordem geral, a saber, as mudanças de regras criadas pelo homem ou mesmo alterações de ordem natural não apontam necessariamente para uma exclusiva direção.

Daí, conclui-se que o conjunto de normas que acaba de sancionado comportará um juízo positivo ou negativo, conforme o referencial do observador. Ou, para ser mais claro, será decisivo para uma tomada de posição sobre as novas regras formais o referencial a partir do qual o funcionamento da justiça seja examinado.

De uma coisa, entretanto, estou certo: o futuro CPC servirá a propósitos éticos na exata medida em que para tanto os operadores do direito direcionem suas ações.

Também pudera, eis que a crise ética vivenciada no campo político não se constitui, como ingenuamente se poderia supor, numa exclusividade da classe política. Por outras palavras, e no final das contas, serão os operadores do direito, todos eles, que, no exercício de suas profissões, irão conferir cotidianamente sentido aos novos comandos processuais.

Dito isso, permito-me encerrar o escrito com a seguinte ponderação: desde quando se suponha melhor organizado o funcionamento da justiça, mais e mais pessoas haverão (será mesmo?) de se dirigir ao Poder Judiciário. Tal procura, a sua vez, acabará por aumentar o acervo de processos, a desencadear excesso de serviço e demora na resposta dos conflitos levados à apreciação do Judiciário.

Bem por isso, em tempos de significativa mudança legislativa, a correlata e legítima expectativa de melhoria não invalida, ai de nós!, a conhecida advertência popular, segundo a qual “se correr o bicho pega, se ficar o bicho come.”

 

*Procurador do estado, mestre em direito processual pela PUC Minas, membro da Academia Brasileira de Direito Processual Civil e do Instituto dos Advogados de Minas Gerais, professor de teoria geral do processo e processo civil na Fadipa (MG).

Artigo publicado no caderno Direito & Justiça do jornal Estado de Minas, edição de  17 de abril

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