Artigo de procuradora do Estado

Folha de São Paulo publica texto de Aline Almeida, da ARE de Uberlândia

Quando a exceção se transforma em regra

*Aline Almeida

Embora a Constituição Federal de 1988 tenha definido que os cargos em comissão, aqueles de livre nomeação e exoneração preenchidos por quem que não se submeteu a concurso público, destinam-se somente às atribuições de direção, chefia e assessoramento, rotineiramente, a União, os Estados e os Municípios os têm utilizado para agraciar apadrinhados políticos.

Temos assistido a administração pública em todas as esferas, violar a Constituição, uma vez que é comum a criação de cargos em comissão não corresponder às funções previstas na Carta Magna, destinando-se, na verdade, ao desempenho de atividades meramente burocráticas ou técnicas, que não exigem para seu adequado desempenho relação de especial confiança.

Quando um cargo técnico, que deveria ser preenchido por uma pessoa concursada, é ocupado por um comissionado, surge a prerrogativa para a Administração de demiti-lo a qualquer momento. Logo, é comum que o comissionado ceda à pressão política em suas funções, sob o risco de ser imediatamente substituído caso desagrade seu superior.

Visando repelir este tipo de atuação dos administradores, o Poder Judiciário tem proferido diversas decisões contrárias ao preenchimento de cargos em comissão em desconformidade com a Constituição.

Recentemente, o Tribunal de Justiça de São Paulo confirmou decisão de primeira instância, a qual determinou que os cargos de natureza jurídica da Prefeitura de São Sebastião sejam preenchidos por concurso público. Na ação proposta pelo Ministério Público, reconheceu-se que `as funções jurídicas do município foram atribuídas as nomenclaturas de “assessor” e de “chefe”, para fornecer “falsa roupagem de cargos comissionados”.

O Órgão Especial do Tribunal de Justiça de Minas Gerais também reconheceu que a atuação de Procuradoria Jurídica é serviço típico de advocacia pública, que deve ser composta por servidores concursados. Por isso, julgou inconstitucional lei municipal que criou o cargo de assessor jurídico comissionado.

O relator do caso além de lembrar a previsão constitucional para cargos em comissão, ainda ressaltou que as atribuições da Procuradoria Jurídica do Município são semelhantes as dos Estados e da União, conforme artigos 131 e 132 da Constituição, em que os servidores são organizados em carreira.

Já o Município de São Paulo, ignorando a Constituição, e na contramão dos posicionamentos judiciais, insiste em manter em seus quadros mais de 100 cargos em comissão de Assessores Jurídicos, Assistentes Jurídicos, Assessores Especiais, exercendo funções típicas de Procurador do Município, em evidente desvio de função.

É curioso o fato de que o próprio município de São Paulo (Processo n°. 2011-0.183.148-7), se manifestou no sentido de que “a função dos integrantes das denominadas assessorias ou consultorias jurídicas não se compatibiliza com o exercício de cargo em comissão por pessoa alheia à carreira da advocacia pública municipal, sendo inaplicável ao caso o art. 37, V, da Constituição Federal”, o qual esclarece que os cargos em comissão são aqueles destinados às funções de direção, chefia e assessoramento.

Enquanto isso, mais de 150 aprovados no último concurso público de procurador do município de São Paulo, finalizado em 2014, aguardam as respectivas nomeações. Alguns assessores nomeados foram, inclusive, reprovados no concurso. A ilegalidade perpetrada pelo Município de São Paulo está em investigação pelo Ministério Público através de Inquérito Civil instaurado em 2015.

Não se pode ignorar que a contratação de comissionados é exceção à regra do concurso público, e se justifica a criação de restrições para inibir eventuais abuso a essa prática disseminada por todo Brasil.

*Procuradora do Estado de Minas Gerais

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