Cássio Andrade publica texto e expõe retrocesso no Projeto de Lei que enfraquece a Advocacia-Geral do Estado
CONSTRUINDO A IDENTIDADE III
“Quando levaram fulano, não protestei…, quando levaram beltrano, não protestei…, quando levaram sicrano, não protestei…, quando me levaram não havia mais quem pudesse protestar” (Pastor Martim Niemolles).
No momento em que se luta nacionalmente pela autonomia financeira das Procuradorias de Estado, ou seja, trava-se um debate na prateleira de cima do interesse público, inacreditavelmente o Governo de Minas encaminha o Projeto de Lei 3503, pelo qual se inicia o desmantelamento da unidade de poder da AGE, transferindo parcela substantiva de nossa competência para a Secretaria da Casa Civil. Trata-se do maior atentado à estrutura constitucional de nossa carreira.
Por esse projeto, o Advogado-Geral, maior autoridade jurídica do Poder Executivo, começa a perder sua fundamental importância na condução da legalidade das políticas governamentais. É o início de uma sangria mortal, como se retrocedêssemos 50 anos para começarmos a rediscutir, não demora muito, se podemos ou não dar consultoria jurídica ao governo. É como colocar o passado adiante de nós.
Se não respeitarmos nossa grandeza e nos mobilizarmos, TODOS, agora, num ato forte e concreto em defesa da classe, como esperar ser valorizados pelos outros?
Ninguém pode se calar, se omitir ancorado no conforto de que alguém estará tratando do assunto… Esse é o primeiro passo para que joguemos nosso futuro num canto qualquer, cuidando de um carimbo qualquer.
Não foi isso que a Constituição nos reservou. Como o Estado é uno, as manifestações do Procurador do Estado representam uma parcela da soberania, na exata medida em que têm como desiderato fundamental a representação do povo, território e governo, como ensina Marcelo Mendes (in O PROCURADOR DO ESTADO E SEU STATUS FUNCIONAL À LUZ DO DIREITO ADMINISTRATIVO, cf. in anape.org.br/…/004_046_MARCELO_MENDES_23072009-09h28m.p…):
“Disto extrai-se que: se o representante do povo – parlamentares em geral, detém o status de agente político, com muito mais razão o Procurador do Estado, que representa o povo, território e governo, é classificado como tal.
(…)
O art. 132 do texto constitucional outorgou um mandato aos Procuradores do Estado, permitindo-lhes representar o Ente Federado independentemente de instrumento de procuração, posto que suas atribuições decorrem ex lege. E, consequentemente, da vontade popular.
(…)
A propósito, José Augusto Delgado destaca:
“Os Procuradores, no campo de suas atribuições definidas na Carta Magna, possuem prerrogativas constitucionais explícitas e implícitas, todas vinculadas aos postulados da legalidade, da moralidade, da impessoalidade, da publicidade, da eficiência, da razoabilidade, da proporcionalidade, da precaução e da ponderação, fortes esteios do regime Democrático. A vinculação de suas funções a esses princípios gera, consequentemente, a caracterização da necessidade de seus órgãos serem autônomos na organização estatal, nivelando-se ao Ministério Público e aos Defensores Públicos.( 28 DELGADO, José Augusto. Revista ZÊNITE de Direito Administrativo e LRF-IDAF n.º 80, março 2008. pags. 725.)”
(…)
Os Procuradores do Estado constituem garantia aos cidadãos de que preservação do Erário, como um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito, no exercício da defesa dos interesses comuns. São as próprias atribuições constitucionais do cargo que revelam sua classificação doutrinária.
Se lhes foi outorgada a defesa do Estado, compreendendo nesta a representação do povo, território e governo, é porque os atos por ele praticados, além de públicos, intervêm decisivamente nas ideias de governo, bem como na função tipicamente política.”
A afronta que sofremos exige resposta imediata. Ao olharmos esse arcabouço constitucional sem vida prática nas Minas Gerais, sente-se o gosto amargo de que a história que deveria estar escrita em nosso diário não foi a que vivemos.
A meu ver, é preciso fazer um documento contundente contra o referido PL, assinado por todos os colegas e entregue – pessoalmente e pelo maior número possível de Procuradores -, ao Governador, ao Vice-Governador e sobretudo aos Deputados, para estancar essa aberração. Mais: é preciso contra-atacar. Que façamos um anteprojeto de lei criando, dentro da AGE, a comissão permanente de combate à corrupção, e que se atribua ao AGE estabilidade relativa durante o mandato em que foi nomeado, podendo ser exonerado apenas motivadamente, consoante as hipóteses previstas em lei. Caso o Projeto de Lei 3503 avance, que se façam estudos para representação ao MP, provocando as medidas cabíveis a afastar os atentados à Constituição, com consequente responsabilização.
Não se coaduna com nosso cargo a passividade, submissão, covardia. Como ensinava Machado de Assis: “A melhor forma de ver o chicote é ter o cabo a mão”. Você escolhe.