Artigo de procurador do Estado no Portal Migalhas

NCPC – Prazos e comunicações processuais – as prerrogativas outorgadas à advocacia pública, de Fernando Salzer

O NCPC1, que completa um ano de vigência no próximo dia 18/3/17, através de seu art. 183 e parágrafos, concedeu à Advocacia Pública a prerrogativa da intimação pessoal, nas mesmas condições previstas para o MP2 e DP3.

O mencionado art. 183, em seu §1°, elenca as formas pelas quais poderá ser efetivada a intimação pessoal dos Advogados Públicos, sendo que as duas primeiras modalidades, carga e remessa, se referem aos processos que tramitam em meio físico e a última, meio eletrônico, em regra, aos que tem seu trâmite pelo ambiente eletrônico.

Ocorre que alguns juízes, em equivocada interpretação literal da norma, continuam entendendo que a modalidade de intimação pessoal por meio eletrônico pode ser efetuada via DJE.

Tal entendimento, com o manejo correto da hermenêutica, não se sustenta, uma vez que para se aferir o real alcance da expressão “meio eletrônico”, é preciso fazer uso da interpretação sistemática, confrontando as normas do NCPC com as disposições contidas na lei 11.419/064, que dispõe sobre a informatização do processo judicial e dá outras providências, bem como com a Res. 185/135 do CNJ, que institui o Sistema Processo Judicial Eletrônico.

A parte final do §2° do art. 4° da lei 11.419, ao determinar que as publicações veiculadas no DJE não podem ser utilizadas nos casos em que a lei prevê a intimação ou vista pessoal, já é o suficiente para derrubar o equivocado entendimento de parte dos juízes.

Se isso não bastasse, a Res. 185/13 do CNJ, ao definir, em seu art. 3°, VI, o sentido da expressão “meio eletrônico”, e no §1° do art. 19, determinar que apenas serão consideradas vista pessoal os atos de comunicação que viabilizem o acesso à integra do processo correspondente, sepulta de vez o entendimento de que as publicações via DJE estariam abrangidas pela regra contida no §1° do artigo 183 do NCPC.

Demonstrado que as publicações veiculadas no DJE não estão incluídas no alcance da expressão “meio eletrônico” contida no §1° do art. 183 do NCPC, cabe também consignar que a pretensão de algumas serventias judicias, arrimadas na mesma expressão, de realizar a intimação pessoal dos Advogados Públicos via correio eletrônico, deverão, como não poderia ser diferente, observar os requisitos legais6 e as normas editadas pelo CNJ7, sob pena das mesmas serem consideradas nulas.

No processo judicial eletrônico as comunicações via correio eletrônico não poderão ter caráter oficial, mas tão somente informativo, conforme previsto no §4° do art. 5° da lei 11.419.

Na tramitação dos processos por meio físico, a intimação via correio eletrônico, endereçada aos Advogados Públicos, membros do MP e da DP, para ser considerada válida, deverá observar os seguintes requisitos: a) ser dirigida exclusivamente aos endereços eletrônicos cadastrados por cada instituição junto à administração do respectivo Tribunal8; b) permitir acesso à íntegra digitalizada do processo correspondente, conforme preceitua o §1°, art. 9°, lei 11.419.

Em relação a intimação pessoal dos Advogados Públicos, outro ponto que merece destaque é que, além das modalidades carga, remessa ou meio eletrônico, quando frustrada esta última ou nos casos de urgência, devidamente fundamentada, tal ato processual também poderá ser realizado por oficial de justiça9, observada a regra constante no parágrafo 3° do art. 269 do NCPC. Neste caso excepcional, cabe salientar que tal modalidade de intimação terá apenas o condão de dar ciência do teor da decisão judicial e da necessidade de seu pronto cumprimento, porém, não dará início à fluência de nenhum prazo recursal, prazo este que só começará a fluir a partir do momento que for franqueado ao Advogado Público ao MP e à DP o acesso à integra do processo correspondente, seja através da carga, remessa ou meio eletrônico, uma vez que o pleno exercício da ampla defesa e do contraditório só será assegurado através do acesso à totalidade do conteúdo do autos.

Por outro lado, é de suma importância apontar que o entendimento até aqui exposto, bem como as demais regras do NCPC que regem as citações e intimações10, por força do art. 6° da lei 12.153/0911, também deverão ser observadas e seguidas no rito dos Juizados Especiais da Fazenda Pública (JESP FP), sendo afastada a aplicação de qualquer entendimento que não se coadune com tais disposições, como, por exemplo, o trazido pelo enunciado 13 do FONAJE12.

Visto isso, como no rito do JESP FP, quanto as citações e intimações, devem ser rigorosamente observadas as normas do NCPC, chegamos à seguintes conclusões:

  1. a) os prazos para a Advocacia Pública, MP e DP, serão contados da citação, intimação ou notificação13 e deverão observar, quanto à data de início do prazo, as regras contidas no artigo 231 do NCPC, especificamente as insertas nos incisos II, V, VI e VIII, inclusive no que diz respeito a interposição de recursos14;
  2. b) a citação da Fazenda Pública será efetuada15 por oficial de justiça ou meio eletrônico, nesta última modalidade respeita a normatização trazida pela Res. 185/13 do CNJ16, sendo vedada a citação via correio17;
  3. c) a intimação da Advocacia Pública, do MP e da DP será pessoal, por carga, remessa ou meio eletrônico, nesta última modalidade observadas as regras insertas na Res. 185/13 do CNJ, sendo vedada a realização de intimações através do DJE;

Noutro giro, cabe ressaltar que a determinação constante do artigo 7º da lei 12.153 tem apenas o poder de excluir do rito do JESP FP a incidência das normas constantes do caput dos artigos 180, 183, 186 e 229, todos do NCPC, não podendo seu raio de aplicação ser estendido ao modo de concretização dos atos de comunicação processual, uma vez que estes possuem regramento próprio, qual seja, a determinação contida no artigo 6º da lei 12.153.

A assertiva acima foi explicitada pelo desembargador Corrêa Júnior, TJ/MG, ao proferir voto no julgamento da Correição Parcial 1.0000.16.069436-0/000, sendo oportuno destacar o seguinte trecho:

Assim, haja vista a compartimentação normativa advinda da análise dos comentados dispositivos, tenho que a ordinarização de tratamento em relação aos prazos (artigo 7º) não pode ser estendida ao modo de concretização dos atos de cientificação processual, porquanto para tanto existente regramento específico (artigo 6º). (TJ/MG. Correição Parcial 1.0000.16.069436-0/000. Órgão Julgador: Conselho da Magistratura. Relator: desembargador Corrêa Júnior. Data da decisão: 20/9/16).

O entendimento supra é acompanhado por outros Tribunais, conforme atestam as decisões abaixo ementadas:

Equivocado decreto de revelia com base na contagem do prazo de resposta a partir do registro da ciência, pois em sede de Juizado Especial da Fazenda Pública aplicam-se as disposições contidas no CPC quanto às citações, nos termos do artigo 6º da lei 12.153/09. Aqui, verificada a contestação no prazo estabelecido pelo Juízo, tempestiva a defesa quando observada a data de juntada do respectivo mandado cumprido (art. 241, II, do CPC). (TJ/DF. Recurso Inominado 0703411-68.2015.8.07.0016. DJE 5/2/16).

De acordo com o art. 6º da lei 12.153/09, às citações aplicam-se as disposições do CPC, sendo certo que o art. 241, II do referido Código, prevê que na citação realizada por oficial de justiça, o prazo começa a contar a partir da juntada do mando aos autos. (TJ/RJ. Mandado de Segurança 0000601-50.2012.8.19.9000. Julgamento em 29/8/12).

Noutro giro, especificamente no que diz respeito ao prazo para apresentação de defesa no rito do JESP FP, oportuno se faz salientar que este será de trinta dias, devendo ser considerado, por força do art. 6º da lei 12.153, como termo a quo de tal prazo, nos processos físicos, a data da juntada aos autos do mandado/carta precatória devidamente cumprido18 ou do comunicado19 de que trata o art. 232 do NCPC, já nos processos eletrônicos, do dia útil seguinte à consulta ao teor da citação ou ao término do prazo para que tal consulta se dê20.

Tal prazo para apresentação de defesa se deve ao fato de que no rito do JESP FP a oralidade é mitigada, uma vez que, em regra, não deverá ser designada audiência de conciliação face à não admissão da autocomposição21, por ausência de lei autorizativa22, não sendo razoável, por formalismo exacerbado, a designação de atos processuais inúteis, que não trarão benefício algum as partes, mas, pelo contrário, somente prejuízos, derivados de deslocamentos desnecessários e dispendiosos. Desta feita, como em regra não há designação de audiência de conciliação, o prazo de trinta dias para apresentação da defesa é extraído através da interpretação analógica da parte final do art. 7º da lei 12.153, sendo este entendimento tão pacífico que já é inclusive objeto do enunciado 01 da Fazenda Pública, aprovado pelo XIII Encontro de Juízes dos Juizados Especiais de Mato Grosso, realizado em Cuiabá, entre os dias 2 e 3 de maio de 201623.

Após recebida a citação, caso a Fazenda Pública apure a existência de autorização legal para transigir ou compor no específico caso concreto, por uma questão de celeridade, economia processual e ao erário, a pertinente proposta de acordo, contendo todos os requisitos, condições e limites legais, deverá ser veiculada através de preliminar na peça defensiva apresentada, contestação esta que deverá vir acompanhada de toda documentação que o ente público dispor para o esclarecimento da questão debatida em juízo24.

Apesar do art. 3º do decreto lei 4.657/42 ser taxativo ao dizer que “ninguém se escusa a cumprir a lei, alegando que não a conhece“, principalmente os juízes, nunca é demais alertar que a previsão trazida pelo art. 20 da lei 9.099 não se aplica, por determinação legal25 e entendimento jurisprudencial de Tribunal Superior26, à Fazenda Pública. De igual modo, até pela mitigação do princípio da oralidade, a contumácia prevista no art. 51, I, da mesma lei 9.099, também não se aplica ao MP27 quando este atuar, na qualidade de autor, como substituto legal, em processo que tramita pelo JESP FP.

Apresentada a contestação e a eventual réplica, caberá ao juiz analisar se o processo já está maduro, permitindo o julgamento antecipado do mérito28, com dispensa de eventuais depoimentos pessoais ou testemunhais29, o que tornará desnecessária a realização da audiência de instrução e julgamento (AIJ). Entendendo que a causa não está pronta para julgamento, deverá o juiz, destinatário da prova e responsável pela ordem e celeridade no andamento da ação, delimitar as questões controversas e determinar as provas que entenda necessárias ao julgamento do mérito30, indeferindo a produção de provas desnecessárias31. Logicamente, caso seja necessário a colheita de prova oral, a AIJ deverá ser presidida pelo juiz32, não podendo tal ato ser delegado a conciliadores ou a outros serventuários da justiça.

A correção das interpretações legais acima expostas que concluem pela aplicação das regras do NCPC ao rito do JESP FP, com o consequente afastamento do entendimento contido no enunciado 13 do FONAJE e nas normas insertas na lei 9.099 incompatíveis com tal procedimento, é reforçada e atestada através dos seguintes fundamentos:

  1. a) não havendo, no rito legal do JESP FP, lacuna legal acerca das regras de citação e intimação, impossibilitada fica a aplicação subsidiária da lei 9.09933, não podendo o Poder Judiciário inovar, sob pena de atuar como legislador positivo;
  2. b) se existisse lacuna legal, a análise da aplicação subsidiária das normas da lei 9.099 ao rito dos JESP FP teria que ser feita com cautela, tendo em conta a advertência constante no §2° de seu art. 3° e no caput do seu art. 8°;
  3. c) os enunciados expedidos via FONAJE, por não terem sido editados por Tribunais34, não são de observância obrigatória35, pois não se equiparam a súmula dos Tribunais, a acórdão proferido em julgamento de recursos repetitivos, entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de competência.

Destarte, comprovado o equívoco da aplicação do referido enunciado ao rito dos Juizados Especiais da Fazenda Pública, caso algum Juiz ainda insista em tal prática, tais decisões deverão ser motivadas, contendo a fundamentação, válida36, que o levou a afastar a norma do artigo 6° da lei 12.153, não bastando a simples invocação de enunciado do FONAJE, sob pena de nulidade37 38.

Assim, resta agora aos Advogados Públicos lutar pela correta aplicação das prerrogativas trazidas pelo NCPC, bem como pela exata observância do rito legal a ser seguido no JESPE FP e aos juízes, membros de Turmas Recursais, desembargadores e ministros o dever cumprir e fazer cumprir com exatidão as respectivas disposições legais39.
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1 NCPC

2 NCPC – Art. 180.

3 NCPC – Art. 186, § 1o.

4 Lei 11.419/06.

5 Resolução 185 de 18/12/13

6 NCPC – Art. 270.

7 NCPC – Art. 196.

8 NCPC. Art. 246, §1° e art. 1.050.

9 NCPC – Art. 275.

10 NCPC. Art. 231, II, III, V, VI e VIII.

11 Lei 12.153/09.

12 Os prazos processuais nos Juizados Especiais Cíveis, contam-se da data da intimação ou ciência do ato respectivo, e não da juntada do comprovante da intimação, observando-se as regras de contagem do CPC ou do CC, conforme o caso.

13 NCPC. Art. 230.

14 NCPC. Art. 1.003, §2o.

15 NCPC. Art. 246, II e V.

16 Res. CNJ 185/13. Art. 19, §1º.

17 NCPC. Art. 247, III

18 NCPC. Art. 231, II.

19 NCPC. Art. 231, VI.

20 NCPC. Art. 231. V.

21 NCPC. Art. 334, §4º, II.

22 Lei 12.153/09. Art. 8º.

23 ENUNCIADOS ATUALIZADOS ATÉ O XV ENCONTRO DE JUÍZES DOS JUIZADOS ESPECIAIS DO ESTADO DE MT

24 Lei 12.153/09. Art. 9º.

25 NCPC. Art. 345, II.

26 “A jurisprudência dessa Corte é uníssona no sentido de que à Fazenda Pública não se aplica o efeito material da revelia, pois os bens e direitos são considerados indisponíveis.” (STJ. REsp 939086/RS. Órgão Julgador: Sexta Turma. Relatora: ministra Marilza Maynard. DJe 25/8/14).

27 STJ. REsp 1409706/MG. DJe 21/11/13).

28 NCPC. Art. 355, I.

29 Lei 12.153. Art. 16, §2°

30 Ncpc. Art. 370.

31 Ncpc. Art. 443, I e II.

32 Lei 12.153/09. Art. 16, §2º.

33 Lei 9.099/95.

34 NCPC. Art. 926, §1o e §2o.

35 NCPC. Art. 927, I a V

36 NCPC. Art. 489, §1o , I a VI.

37 CF. Art. 93. IX.

38 NCPC. Art. 11.

39 LC 35/79. Art. 35, I.
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*Fernando Salzer e Silva é Procurador do Estado de Minas Gerais.

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