Artigo: Distinção de prazos no Código de Processo Civil

 

Do procurador do Estado, Leonardo Oliveira Soares e publicado no jornal Estado de Minas

Segundo o CPC vigente (art. 188), o Poder Público goza de prazo em quádruplo para contestar e em dobro para recorrer. Previsão, diga-se de passagem, que alcança o Ministério Público.

Estará a norma de acordo com o princípio constitucional da isonomia (art. 5º, caput da Constituição Federal de 1988)? A resposta para tanto será precedida de outros dois questionamentos. Ei-los. A particularidade em evidência viola o mandamento da igualdade e, pois, deve ser considerada, de modo absoluto, como incompatível com o devido processo legal? Caso não se trate de necessária inconstitucionalidade, há argumento racional legitimador de cogitada diversidade?

Quanto ao primeiro questionamento, não é preciso muito esforço para encontrar situações similares que recebem tratamento distinto em nosso cotidiano. Aqui, o pai oferece a um dos filhos algo que não será dado ao outro.  Ali, o professor, no meio de exposição, permite a aluno dedicado interrompê-lo para formular perguntas que jamais seriam respondidas, caso viessem de aluno pouco frequente. Ora, se assim é, no mundo da vida, sendo irrelevante, neste momento, valorar tais distinções, não se pode – senão ingenuamente – supor que o conjunto de regras e princípios disciplinadores da atividade estatal de dizer o direito haveria de permanecer imune à marca registrada de seu criador. Afinal, vá a obviedade, o direito é criação humana! Talvez a mais eloquente manifestação da isonomia resida na constatação de que somos únicos. Em suma, diferentes. No âmbito do direito material, pense-se, por exemplo, na regra que estabelece idade diferenciada para concessão de aposentadoria a homens e mulheres titulares de cargos públicos (art. 40, § 1.º, I e II da CF/88).

Do que se acaba de dizer não se extrai que o presente dispositivo do CPC tenha sido, necessariamente, recepcionado pela Lei Maior. Segue, assim, a resposta à segunda indagação. Ora, a Fazenda Pública zela – deve zelar – pelos interesses jurídicos da coletividade (será mesmo?). Em vista disso, sobre esta recairão, no fim das contas, os efeitos das condenações judiciais de toda sorte impostas à Fazenda Pública. Na lição de eminente jurista que presidiu a comissão encarregada de elaborar o PLS 166/2010:  A finalidade da norma excepcional é a proteção do interesse público; por isso a Fazenda diferentemente do particular, vela em juízo por objetos litigiosos difusos, tornando evidente que “a prerrogativa não ofende o princípio isonômico encartado na Constituição Federal”.[1]

Há, pois, fundamento não discriminatório, autorizador da diferenciação de prazos. Sob essa ótica, o art. 188 do CPC se apresenta compatível com a garantia devido processo legal, disposta no art. 5º, LIV da CF/88.

Pois bem. O projeto de CPC em tramitação legislativa estatui que a Fazenda Pública gozará de prazo em dobro para todas as suas manifestações no processo (art. 95 do PLS 166/2010, correspondente ao art. 106 do PL 8.046/2010, votado no Senado Federal, e ao art. 184 da Consolidação normativa redigida na Câmara dos Deputados, cuja votação do texto base ocorreu em novembro último)

A partir das justificativas apresentadas acima, afirma-se que o dispositivo em vigor assim também os projetados não violam o mandamento maior da igualdade.

 

De outro lado, e independentemente de aceitar-se a conclusão em tela, não se pode negar, caro leitor, que contribuição muito mais expressiva ao propósito da isonomia encontra-se à mão, qual seja buscar inserir ou quiçá fazer aumentar as práticas igualitárias – por outras palavras: não discriminatórias – em nossas relações interpessoais.

 

Bem mais conveniente (ai de nós!) é, contudo, voltar os olhos para os hipotéticos desacertos alheios, no caso, do legislador brasileiro.

 

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