Artigo: Justiça, Justiçamento e Intimidade

Texto publicado no jornal O Correio Braziliense do último dia 6 de abril

A edição desta quarta-feira (06/04), do jornal Correio Braziliense, publica artigo do Presidente da ANAPE, Marcello Terto, sobre os ataques sofridos pelo Ministro do STF Teori Zawascki em função de decisões sobre a Lava-Jato. Confira a seguir:

Justiça, Justiçamento e Intimidade

Marcello Terto e Silva*

Os protestos na porta da casa do Ministro Teori Zavascki, após um grupo pró-impeachment tomar conhecimento da decisão que determinou ao juiz Sergio Moro o envio, para o Supremo Tribunal Federal (STF), da parte das investigações da operação Lava-Jato contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, merecem algumas reflexões.

Fazer justiça é aplicar o direito de acordo com os princípios e as leis, de forma isenta, imparcial, sem paixões ou estratagemas. Justiçar é tomar a realização da justiça pelas próprias mãos, independentemente da lei ou dos poderes constituídos, supostamente para reparar um mal, como forma de vingança pessoal ou social.

Vivemos um período de crise aguda que suscita muitas paixões. No limiar da quebra do paradigma da impunidade e do efetivo combate à corrupção sistêmica no Brasil, surge o juiz federal Sérgio Moro.

Ávido por justiça põe na berlinda, se não toda, boa parte da classe política brasileira, especialmente aquela experimentada nos arroubos e seduções do poder de comando.

Pela expressão das ruas, a evidente maioria personifica no doutor Moro algo desejado há muito no inconsciente popular: a aplicação da lei indistintamente para todos; muito embora uma parte ainda tente justificar o status quo com o descaminhar de outros da oposição.

Mas é necessário prudência para não incorrermos em graves equívocos e, a pretexto de remediar um mal, sacrificarmos toda a lógica de um sistema que existe para nos proteger, pasmem!, de nós mesmo.

Juiz não é parte e muito menos deve se aliar a ela a pretexto de realizar justiça, ainda que essa parte seja o órgão de persecução penal do próprio Estado. Pelo contrário, como agente de uma força contramajoritária, deve estar atento à realidade social, mas não pode sozinho ser a tábua de salvação de uma nau que há muito tempo deriva com o mar da corrupção.

É preciso lembrar dos direitos e garantias fundamentais. Sobretudo na seara penal, o devido processo legal é mais rigoroso e opera necessariamente aliado a outros princípios de igual valor.

Não à toa, a nossa Constituição protege a intimidade, reservando-lhe expressamente espaços para o seu desfrute, a exemplo da casa, da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e telefônicas.

A intimidade faz parte da primeira dimensão de direitos fundamentais, que existe para preservar as liberdades de qualquer cidadão, do mais íntegro ao bandido, para que o chegar a este não signifique o sacrifício da esfera de intimidade do primeiro.

Ao mesmo tempo em que todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário são públicos, a lei pode limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação (CF, art 93, IX).

Muitos juízes estão preocupados com a efetividade da interceptação telefônica para o processo. Depois de produzida a prova, esquecem que a Lei 9.296/96 proíbe expressamente a divulgação de qualquer conversação interceptada e determina a inutilização das gravações que não interessem à investigação criminal. Nada obstante, Moro divulgou tudo, sacudiu o Brasil e foi repreendido pelo Ministro Zavascki, porque os artigos 8º e 9º dessa lei não autorizam a divulgação pública das conversações do modo como se operou, “especialmente daquelas que sequer têm relação com o objeto da investigação criminal”.

Isso é natural. No processo, quando o trem descarrilha, existem outras instâncias para repor a locomotiva no trilho e evitar abusos e nulidades.

Antes da conclusão, para aplainar os ânimos daqueles mais afoitos, advertimos que não entendemos que o impeachment da presidente seja golpe. Eleição não é cheque em branco. Havendo crise de legitimidade, governabilidade, no curso do mandato, e acomodação dos fatos, em princípio, numa das hipóteses do artigo 85 da Constituição, em especial dos incisos V e VI, é possível o julgamento político, desde que respeitadas as garantias para a defesa da presidente. Nesse sentido, também deram a palavra o STF e a OAB.

Mas não podemos transformar Moro em justiceiro. Ele é juiz. Como ser humano, é passível de erros. Precisamos de Justiça!

 

*Conselheiro Federal da OAB

*Presidente da Associação Nacional dos Procuradores dos Estados e do DF – ANAPE

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