PEC 82 reafirma independência e inviolabilidade do advogado público
Por Marcello Terto e Silva e Pablo Bezerra Luciano
Além de se propor a conferir à Advocacia-Geral da União e órgãos vinculados, bem como às procuradorias-gerais dos estados, do Distrito Federal e dos municípios as necessárias autonomias administrativa, orçamentária, financeira e técnica, para bem defender o patrimônio público, a Proposta de Emenda Constitucional 82, de 2007, na forma do substitutivo de autoria do Deputado Lelo Coimbra (PMDB/ES), reafirma a independência e a inviolabilidade do advogado público no exercício de suas funções, condicionando sua atuação aos critérios da juridicidade, racionalidade, uniformidade[1].
De forma bastante feliz, o deputado Lelo Coimbra, sem desnaturar o estatuto mais básico de todo e qualquer advogado, qual seja, a independência técnica, propõe que essa independência seja modulada, dentre outros, pelo critério da uniformidade.
Trata-se de consagrar, ao nível constitucional, a noção de que a Advocacia-Geral da União, as procuradorias-gerais dos estados, do Distrito Federal e dos municípios são instituições, isto é, são organismos ou unidades de fato, com objetivos bem definidos.
Assim, não haverá espaço, como hoje já não há, para uma atuação descoordenada, por parte dos advogados públicos federais, estaduais e municipais. Seja no contencioso judicial, seja nas atividades de consultoria e de assessoramento jurídicos, caso aprovada a PEC 82/2007, o advogado público deverá estar atento também ao princípio de racionalização, agora oriundo de norma constitucional expressa, de pautar sua atuação, sempre que possível, de forma motivada e coerente com as diretrizes da instituição de advocacia pública que integra.
Aliás, o dever de independência reafirmado no Provimento 114/2006 do Conselho Federal da OAB[2] estabelece-se na defesa das suas convicções profissionais na exata equalização com os princípios constitucionais da Administração Pública (artigo 5º).
Para chegar a essa ponderação entre a liberdade de atuação e os princípios constitucionais consagrados, nada mais óbvio do que a ressalva da inexistência de hierarquia na função advocatícia.
O advogado público é figura independente no processo de formação da posição jurídica do ente federado. Por esse motivo, o novo comando constitucional impõe que todas as leis orgânicas da Advocacia Pública contenham previsão de seus membros poderem se darem por suspeitos, em situações condizentes com a dignidade profissional dos advogados de um modo geral (conforme artigo 33 da Lei 8.906, de 4 de julho de 1994, e artigos 4º, parágrafo único, e 20 do Código de Ética e Disciplina da Advocacia).
Ainda é preciso considerar que a independência exige, em algumas situações, a análise da reserva ou escusa de consciência do advogado público.
O advogado, sendo figura indispensável à administração da Justiça, deve ter comportamento público e profissional adequado à dignidade e responsabilidades da função advocatícia que exerce. O labor quotidiano deve vir acompanhado de elevado nível ético e moral. Daí porque a escusa tem fundamento na autonomia do causídico enquanto ser moral, de modo que o limitar a um determinismo de cega submissão à interpretação de outro advogado ou instituição de controle corresponderia a reduzir sua atuação a de uma mera figura processual imbuída na heteronomia, sem valor ético-moral capaz de contribuir para a construção de um Estado de Direito, também inovador e democrático.
Pensar o contrário é imaginar utilidade na figura de um advogado autômato cujo comportamento é mecânico, executando tarefas ou seguindo ordens como se destituído de consciência, raciocínio, vontade ou espontaneidade. Seria isso advocacia?
Por óbvio que não. Não compete aos advogados públicos, especialmente quando se sabe que o Estado deve ser o condutor e o exemplo do cumprimento das leis, a pretexto de uma leitura cega do princípio da indisponibilidade do interesse público, posicionarem-se contrariamente às suas convicções jurídicas, para sustentar o insustentável, ou contestar o incontestável, assegurando a todo custo a litigiosidade, atestada atualmente como algo comprovadamente oneroso e prejudicial ao crescimento social e econômico do País.
A advocacia pública tem a grande responsabilidade de selecionar quadros competentes para fazer bem à atividade consultiva e a representação judicial dos entes federados. Deve atuar de forma independente, para dizer “sim” ou “não” oportuna e motivadamente. Acima de tudo, como fonte de legitimidade da representação democrática do povo, deve ser comprometido o suficiente para administrar suas divergências internas, garantindo uniformidade, racionalidade e juridicidade, a fim de viabilizar, com segurança, as políticas públicas. Apontar caminhos.
No entanto, não pode sacrificar sua independência em prol de uma uniformidade perpetuadora de um estado perverso de coisas a justificar uma aparência de legalidade a um ato ilegal, por detrás de um parecer.
A independência logicamente protege o advogado e a sociedade contra esse tipo de apropriação dos espaços públicos por interesses meramente privados ou desviados dos comandos legais.
Por outro lado, a ponderação exige considerar que, para o Estado, não interessa apenas qual é a opinião personalíssima, específica e sectária do advogado sobre uma determinada questão jurídica controvertida. Interessa-lhe, em rigor, a opinião da Instituição.
Não se está a dizer que a PEC 82/2007 se proponha a tolher a liberdade de pensamento do advogado público. Não é disso que se trata. A legislação há de prever mecanismos de abertura à contribuição criativa dos membros da advocacia pública, permitindo que o entendimento da Instituição evolua e se aprimore continuamente.
Para isso, a advocacia pública deve se estruturar por instâncias de revisão, e não hierárquicas, de modo a viabilizar um ágil debate interno previamente à publicação de seu posicionamento. O que não se permite é que venham arbitrariamente os membros da AGU, e das procuradorias-gerais dos estados, do Distrito Federal e dos municípios externarem posições injustificadamente destoantes daquelas consagradas por suas Instituições. Daí a pertinência do princípio da uniformidade constante do substitutivo do deputado Lelo Coimbra.
Portanto, por todas as luzes, com a aprovação da PEC 82/2007, não se corre o mais mínimo risco de se criar uma instituição descoordenada ao se consagrar constitucionalmente a garantia de independência aos membros da advocacia pública. Bem diversamente do que ocorre, por exemplo, com o Ministério Público, cujos membros individualmente considerados externam livremente seus posicionamentos jurídicos, sem mecanismos mais sofisticados de coordenação, os membros da advocacia pública não são senhores absolutos daquilo que deixam registrado em petições e pareceres nem pretendem sê-los com a aprovação da PEC 82/2007
A independência técnica preconizada pela PEC 82/2007 aos membros da advocacia pública é modulada, condicionada e temperada pelos princípios da uniformidade e racionalidade, desdobramentos necessários dos princípios da impessoalidade e do republicanismo que devem tocar e reger a atuação de todo agente, órgão, poder, função e instituição pública.