Paulo de Tarso Jacques de Carvalho
Procurador do Estado de Minas Gerais
No último dia 12/08/2022, foi realizada a sessão pública relativa ao Edital da Concorrência Pública Internacional nº 01/2022, o qual tem por objetivo a contratação de parceria público-privada (PPP), na modalidade concessão patrocinada, destinada à elaboração de projetos, construção, operação e manutenção do Rodoanel da Região Metropolitana de Belo Horizonte.
Os municípios de Betim e Contagem, por discordarem do traçado do projeto, elaborado pela Secretaria de Estado de Infraestrutura e Mobilidade – SEINFRA, adotaram iniciativas, na esfera judicial e administrativa, voltadas a impedir a realização da mencionada sessão pública.
No âmbito administrativo, o município de Contagem aviou representação ao Tribunal de Contas do Estado – TCE-MG (cf. processo nº 1.114.634), na qual, com a adesão do município de Betim, postulou, em sede de medida cautelar, a suspensão do leilão. Dito pleito, alicerçado também em alegadas violações à Lei de Responsabilidade Fiscal, foi indeferido pelo Conselheiro Relator do processo, o qual, após colher o parecer do Ministério Público de Contas e da área técnica do TCE-MG, concluiu que:
Considerando que a sessão pública está prevista para ocorrer no dia 12/08/22, a suspensão do curso do certame nesse momento, sem uma razão relevante e contundente, ou seja, sem a demonstração inequívoca de violação grave e concreta à legislação de regência das PPPs, das concessões e das normas e princípios da LRF, poderia gerar, além de insegurança jurídica, prejuízos imensuráveis aos cidadãos e aos cofres do Estado de Minas Gerais, o qual já despendeu vultosos recursos financeiros com a elaboração dos estudos até aqui realizados.
Desse modo, à vista da análise técnica apresentada nestes autos, a qual, uma vez mais, adoto como razão de decidir, e das razões acima apresentadas, considero, nesse momento processual e em um juízo de cognição sumária, que não ficou demonstrada a probabilidade do direito alegado pelas partes, razão pela qual indefiro a medida cautelar requerida (cf. Representação nº 1.114.634, decisão de 10/08/2022).
A par disso, os citados municípios ajuizaram ações civis públicas, em que deduziram pedido liminar, objetivando a suspensão do aludido certame. Na ação aforada pelo município de Betim, o Juízo da Vara da Fazenda Pública daquela Comarca indeferiu o pleito, anotando que:
Em conclusão, a fase atual do procedimento impugnado não enseja, a meu sentir, a possiblidade de reconhecimento de ilegalidade a justificar a suspensão de seu andamento, tendo em vista que não implica na execução imediata de qualquer intervenção, que somente ocorrerá após a aprovação de um projeto executivo e obtenção de licenciamento ambiental, inexistindo, portanto, o perigo da demora alegado pela parte autora. Ao contrário, eventual suspensão do procedimento acarretará o chamado dano inverso, com o que não se pode concordar (cf. Processo nº 5019171-65.2022.8.13.0027, DJe de 10/08/2022).
Ao apreciar ao recurso de agravo manejado contra a citada decisão, o Desembargador Relator do recurso também indeferiu o provimento liminar rogado pelo município, afirmando que:
Em primeiro plano, curial afirmar que não cabe ao Poder Judiciário adentrar ao mérito do ato administrativo, formulando em juízo de conveniência e oportunidade, que é restrito ao Administrador.
Nesse contexto, não obstante alegar o Município de Betim que a licitação se funda em ilegalidade, formula pretensão no sentido de que seja acolhido um projeto alternativo, em substituição àquele que o Executivo Estadual entendeu como o que melhor atende ao interesse público.
Logo, por não serem questões afetas à legalidade, descabe sopesar eventual vantagem do projeto apresentado pelo Município em relação ao projeto estadual.
Por outro lado, sob o restrito aspecto da legalidade, ao contrário do que argumenta o recorrente, colhe-se dos autos que foram realizados estudos técnicos, bem assim audiências públicas e o traçado do ente estadual foi considerado mais vantajoso (cf. TJMG – 2ª Câmara Cível – Agravo de Instrumento nº 1.000022.177293-2/002, DJe de 12/08/2022).
O município de Contagem obteve a tutela liminar rogada ao Juízo da Vara Empresarial, da Fazenda Pública e Registros Públicos daquela Comarca. No entanto, o Estado de Minas Gerais aviou pedido de suspensão de liminar à presidência do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, a qual acabou por deferir a medida liminar ali requerida, sustando os efeitos da decisão de primeiro grau. Na oportunidade, o Desembargador Presidente do TJMG deixou assentado que:
Com efeito, a hipótese é de acolhimento do pleito suspensivo, porquanto evidenciada, na exordial do pedido, a potencialidade gravemente lesiva da execução imediata da decisão hostilizada para os relevantes bens jurídicos apontados pelo requerente.
[…]
Note-se que, antes mesmo da realização de qualquer obra, a empresa vencedora do certame elaborará o projeto de construção do Rodoanel.
Ora, sem um projeto básico, sequer é possível se falar em início de licenciamento ambiental e, por óbvio, em dano ambiental, uma vez que não existe, até o momento, nenhum plano concreto a ser executado.
[…]
Além disso, este pedido suspensivo pretende, única e exclusivamente, a suspensão dos efeitos da decisão que determinou a suspensão do processo licitatório, o qual, certamente, é incapaz de causar dano ambiental, seja diante da inexistência de qualquer obra antes do licenciamento, seja em razão da extinção do contrato na hipótese de não obtenção do citado licenciamento.
[…]
Noutro giro, é necessário ter em mente que um projeto de tamanha magnitude e importância para a população do Estado de Minas Gerais e do País deve ser tratado com a maior atenção e cuidado, de modo a evitar que etapas de um longo processo de desenvolvimento do empreendimento sejam suprimidas, causando prejuízos imensuráveis aos cidadãos e aos cofres públicos.
Referida circunstância demonstra a premente necessidade de manutenção do curso do processo licitatório, sem o qual sequer o processo de licenciamento ambiental poderá ocorrer (cf. TJMG – Presidência – Suspensão de Liminar nº 1582141-96.2022.8.13.0000, DJe de14/07/2022).
Verifica-se que, por razões diversas, os municípios de Betim e Contagem se opõem ao traçado do projeto do Rodoanel. O primeiro, suscita que haveria impactos sociais e urbanísticos não sopesados pelo projeto, ao passo que o segundo bate-se
pela necessidade de alteração do traçado, de maneira a evitar-se a interceptação da área de Proteção Ambiental Vargem das Flores.
Como demonstrado pela SEINFRA nas notas técnicas que balizaram a atuação da Advocacia-Geral do Estado nos processos em comento, o projeto do Rodoanel contou com estudos técnicos preliminares, os quais traçaram as diretrizes para o futuro licenciamento ambiental da obra. Tais estudos, os quais contemplam aspectos socioambientais, econômicos e operacionais, consumiram mais de dois anos e foram disponibilizados nas plataformas digitais disponibilizadas pela SEINFRA.
O projeto em comento foi precedido de ampla participação e consultas públicas, ao cabo das quais se procedeu, inclusive, à alteração de uma das alças do traçado do Rodoanel. Para além disso, a SEINFRA deixou claro que a elaboração do projeto funcional do Rodoanel é tarefa cometida ao parceiro privado do empreendimento, a quem, de resto, caberá obter o licenciamento ambiental exigido pela legislação de regência – atividade que exigirá a participação dos municípios afetados pela obra.
A regularidade do procedimento em curso foi atestada pelo TCE-MG, pelo Ministério Público de Contas – MPC e pelo Ministério Público do Estado – MPMG, o qual, em despacho exarado pelo Procurador-Geral de Justiça, opinou pela suspensão do procedimento deflagrado pelo MPMG, ao argumento de que:
Por todo o exposto, destarte, em prol da segurança jurídica, não vislumbramos, no momento, justa causa para uma atuação imediata e litigiosa em relação à iniciativa governamental em abrir o leilão da obra prevista para o dia 26 de julho de 2022, sendo certo, no entanto, que o Ministério Público, no cumprimento de suas funções constitucionais, continuará, por meio deste procedimento, acompanhando todos os desdobramentos do procedimento licitatório em epígrafe e as demais questões ambientais, que, por certo, surgirão após a definição da empresa vencedora do leilão, quando, então, se iniciará o necessário, e longo, processo de licenciamento ambiental.
[…]
Enfim, diante de todo esse contexto, a avaliação que fizemos é que não há, neste momento, interesse de agir, ou seja, inexistentes os requisitos para se pleitear eventual medida cautelar, fumus boni iuris e periculum in mora.
Assim, determino a suspensão da tramitação deste procedimento de apuração até que fatos novos surjam e que exijam a intervenção objetiva do Ministério Público do Estado de Minas Gerais (cf. Procedimento Administrativo nº MPMG-0024.21.017650-9 – Despacho de 12/07/2022).
Nota-se, ainda, que o Ministério Público Federal também aforou ação civil pública, almejando a suspensão do citado leilão, por argumento diverso: o de que as comunidades quilombolas, situadas nas imediações do traçado do projeto, não teriam sido previamente consultadas. Contudo, dito pleito foi indeferido pelo Juiz Federal da 19ª Vara da Seção Judiciária de Minas Gerais. Ao fazê-lo, consignou que:
Ou seja, os elementos dos autos indicam que o interesse da comunidade tradicionais foi devidamente considerado na elaboração do traçado inicialmente projetado, sendo que o próprio Estado de Minas Gerais reconhece e previu no Edital o dever do concessionário vencedor de efetuar o licenciamento ambiental e consultar as comunidades tradicionais, com as consequentes adaptações do projeto à necessidades que daí advierem, por ser o licenciamento ambiental o procedimento mais adequado para, com profundidade, verificar-se todas as consequências da obra e de seu traçado sobre os povos tradicionais e para, colhidas as contribuições desses povos por meio de consultas adequadas e de boa fé, possibilitar a sua influência sobre a empresa vencedora da licitação, que é quem irá elaborar o projeto executivo da obra e, portanto, quem irá definir o traçado a ser efetivamente utilizado na construção.
[…]
No mais, os elementos contidos nos autos indicam uma conduta leal e aberta por parte do Estado de Minas Gerais, conforme se verifica pela narrativa exposta na Nota Técnica nº 31/SEINFRA/SUBMOB/2022, itens 13 a 31, quanto à interlocução com as comunidades tradicionais defendidas nesta ação civil pública e à colaboração no âmbito do Inquérito civil nº 1.22.000.001074/2022-64 aberto pelo Ministério Público Federal, sendo que foi proposta pelo MPF às partes minuta de “Termo de Compromisso de Ajustamento de Conduta extrajudicial, firmado nos termos do art. 5°, §6° da Lei n° 7.347/1985, entre o Ministério Público Federal (MPF) e o Estado de Minas Gerais, com vistas à efetivação do direito à consulta prévia, livre e informada dos povos e comunidades tradicionais possivelmente atingidos pelo Projeto do Rodoanel, nos termos da Convenção 169 da OIT”.
Diante disso, não se verifica, nesse momento, nem o dano irreparável apontado na inicial, nem a ocorrência de esvaziamento do direito de participação dos povos tradicionais.
[…]
Com base na fundamentação desenvolvida, entendo que não estão comprovados os requisitos autorizadores da antecipação de tutela antecipada, que ora indefiro (cf. Processo nº 1037729-55.2022.4.01.3800; DJe de 11/08/2022).
Assim, as decisões proferidas pelo Poder Judiciário, embora em sede de tutela liminar, foram unânimes em arredar as pretensas irregularidades apontadas pelos municípios, o que viabilizou a realização da sessão pública no último dia 12/08/2022.
Convém anotar, ainda, que o Estado de Minas Gerais, através da SEINFRA e da Advocacia-Geral do Estado, vêm mantendo, sob a mediação do TCE-MG, produtivo e auspicioso canal de interlocução com os Municípios de Contagem e Betim.
Essa iniciativa objetiva reunir esforços das equipes técnicas dos entes federados para agregar contribuições que possam aperfeiçoar o projeto funcional do Rodoanel e, eventualmente, promover alterações e ajustes que possam acolher as preocupações mais candentes dos entes federados.
Para tanto, alvitrou-se a celebração de termo de cooperação técnica, a fim de instituir um Comitê Interfederativo de Acompanhamento da Implantação do Rodoanel, voltado a monitorar, pari passu, a construção do projeto funcional do Rodoanel, colaborando com sugestões cuja adoção se revele tecnicamente adequada em prol do seu aperfeiçoamento.
Enfim, o Rodoanel é um ambicioso projeto, alicerçado em acurados estudos técnicos, o qual objetiva atender aos reclamos de décadas da sociedade mineira, qual seja: instituir-se via de acesso segura e eficiente na fluidez do trânsito na Região Metropolitana de Belo Horizonte, de molde a reduzir as assustadoras estatísticas de acidentes e vítimas no Anel Rodoviário da Capital mineira.
18 de agosto de 2022