Entrevista com o Desembargador Newton Teixeira Carvalho, 3º Vice-Presidente do TJMG – No caminho da pacificação

Foto: Cecilia Pederzoli – Desembargador Newton Teixeira Carvalho, 3º Vice-Presidente do TJMG

O Código de Processo Civil, de 2015, consagrou a mediação e a conciliação como meios
adequados de solução de conflitos, evitando custos e litígios intermináveis, muitas vezes sem
qualquer eficácia. Essa cultura da pacificação e da inclusão, prevista na legislação brasileira,
está sendo construída pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais nos últimos anos e se
intensificou em 2018 com a instalação do Núcleo Permanente de Métodos Consensuais de
Solução de Conflitos. Atualmente, o Nupemec está sob a coordenação do desembargador
Newton Teixeira Carvalho, que responde pela 3ª Vice-Presidência do TJMG no biênio 2020-
2022.
 
Por meio do Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania de Segundo Grau (Cejusc 2º
grau), o desembargador foi um dos protagonistas do maior acordo de conciliação da história
do Estado, com a mineradora Vale, que servirá de referência para os tribunais do Brasil e
também do mundo, considerando as dimensões globais da empresa e a repercussão do
acidente, ocorrido na mina Córrego do Feijão, em Brumadinho, na Região Metropolitana de
Belo Horizonte (RMBH), em janeiro de 2019.
 
Com vasta experiência na área de Direito de Família, onde inovou ao levar a prática da
mediação e da conciliação, Newton Teixeira Carvalho explica, nesta entrevista, quais campos
do Direito admitem a adoção desses meios, analisa a segurança jurídica do modelo e indica os
procedimentos necessários para a garantia de um bom acordo, sem necessidade de revisão ou
de posterior judicialização.
Para ele, a desjudicialização traz como grande benefício não apenas a celeridade, mas,
principalmente, o acesso das pessoas com menor poder aquisitivo ao Judiciário.

 


 

CONTEXTO – A entrevista foi concedida em 27 de outubro de 2020, logo após a primeira
tentativa de acordo entre o Estado e a Vale, realizada em 22 de outubro, e antes da segunda
Audiência Extraordinária de Conciliação, promovida em 17 de novembro, que resultou em
mais um adiamento da decisão. Foram necessárias outras três audiências (9 de dezembro, 17
de dezembro e 21 de janeiro de 2021), até que, em 4 de fevereiro, o acordo mediado pelo
TJMG foi selado entre o Estado e a mineradora Vale. O termo de Medidas de Reparação, no
valor de R$ 37,68 bilhões, visa a reparar os graves danos socioeconômicos e ambientais
provocados pelo rompimento da barragem da mina do Córrego do Feijão, ocorrido em
Brumadinho, em 25 de janeiro de 2019.

 


 

Res Publica – Quais são as áreas de atuação do Núcleo Permanente de Métodos Consensuais
de Solução de Conflitos, sob sua coordenação?

Newton Teixeira Carvalho – Começamos o trabalho há poucos meses na Terceira Vice-
Presidência, que tem como missão institucional a mediação, a conciliação, e, por conseguinte,
a desjudicialização… Há justiças restaurativas, e para elas já estamos com um grupo
adiantado… Temos um trabalho para regulamentação fundiária, pois hoje já é possível
regularizar imóveis que, numa outra época, foram construídos ilegalmente. A proposta com a
desjudicialização é justamente para atingir quem não está no mesmo pé de igualdade… no
mesmo nível… é a partir daí que nós estamos trabalhando. Criamos esse modelo já visando ao
que chamamos de pré-processual, ou seja, sem necessidade de ajuizar uma demanda. O
próprio escritório do advogado pode fazer um acordo e homologar o mais rapidamente
possível. Ou as partes também, diretamente, fazem acordo e trazem para homologação,
buscando um título executivo judicial, que dá mais garantia. Buscando o que nós chamamos da
coisa julgada, para não haver mais rediscussão a respeito daquele assunto.
 
 
 RP – Está em andamento (momento entre a primeira e a segunda audiência de conciliação)
uma grande negociação no TJMG, entre o Estado e a mineradora Vale, com o objetivo de
iniciar a recuperação socioeconômica e ambiental dos danos causados pelo rompimento da
barragem da Mina do Córrego do Feijão, ocorrido em janeiro de 2019. A sociedade tem
acompanhando as negociações por meio da imprensa…

NTC – Sim, como você disse, de fato já foi tornado público… nessas negociações, todo mundo
estava concordando com as propostas, mas não chegando a lugar algum. E eu falei… gente… o
papel nosso é esse aqui… vocês estão caminhando em círculos… então, vamos superar esse
círculo, para que possamos chegar a um acordo. Adiantou bastante… existiam algumas
premissas que eles não conseguiam superar…  O próprio doutor Sérgio (Pessoa de Paula
Castro), da AGE, fez várias reuniões com os promotores… e tem promotor público estadual,
federal, Defensoria Pública estadual, federal, muita gente envolvida… e uma área enorme
atingida… vários beneficiários com essa proposta. E quando está se discutindo danos

compensatórios, pois a natureza foi danificada, tem muitas questões, incluindo a indenizatória
para as vítimas… Vai ser um marco da negociação porque isso repercute no Brasil e no mundo.
E, então, o que eles têm que pensar antes de tudo é nisso. Estão contribuindo para a mediação
em Minas Gerais.
 
 

“Vai ser um marco da negociação
porque isso repercute no Brasil e no mundo.
E, então, o que eles têm que pensar antes de tudo é nisso.
Estão contribuindo para a mediação em Minas Gerais”

 
 
RP – Se não fosse por conciliação, qual seria o meio de se chegar a alguma solução entre
Estado e a Vale? 

NTC – Estaria em três ações lá na Vara da Fazenda Pública, outras ações em Brumadinho e iria
eternizar isso, levar anos… E talvez daqui a dez, quinze anos, surgiria um acordo… se nós
fizéssemos na ponta do lápis, é prejuízo…
 

RP – Gostaria de perguntar sobre a segurança jurídica… é um acordo. Vocês vão homologar e
o valor dessa decisão é o de uma sentença?

NTC – Isso. É uma sentença homologatória. Um título executivo judicial.
 

RP – Existe um risco, por exemplo…. se não cumprido o acordo?

NTC – Executa.
 

RP – E qual é o caminho?

NTC -Vai para uma das varas de Belo Horizonte, onde já está a ação.
 

RP – Se a Vale não cumprir o acordo… a saída é judicializar?

NTC – É executar o título. Regra geral, quando um acordo é bem mediado, há um cumprimento
espontâneo. Se as partes chegaram àquele acordo, não há razão para o descumprimento.
Como a Vale engloba várias obras, tanto em nível do governo estadual, municipal, pode ser
que as partes não fiquem satisfeitas com o trabalho feito. Nós podemos rediscutir, mas na fase
de execução.
 
 
RP – Porque já adiantou o processo… Nesse caso, seria o Estado a receber uma quantia da
empresa. E quando é o contrário? O Estado é um grande litigante. No caso de um cidadão                                                fazer um acordo, no TJMG, visando ao recebimento de um valor do Estado… e se o Estado                                                  não paga, qual é o caminho?

NTC – A mesma coisa. Executar o acordo.
 

RP – E se, ao fim do acordo, o Estado tiver que pagar uma empresa ou cidadão, será por meio
de precatório? Ele terá que entrar na fila de recebimento?

NTC – Sim, ele entra na fila. Não pode furar fila, tem outras pessoas na frente. O Estado,
infelizmente, não pode penhorar bens, sob o argumento de que está penhorando os nossos
bens… Eu penso bem o contrário. Acho que se fosse possível penhorar bens do Estado, ele
seria mais correto em suas atitudes. Então, isso é pacífico, não pode penhorar bens… Então o
caminho é o precatório.
 

RP – Essa experiência de mediação do TJMG começou com assuntos privados, como questões
de Família, e chegou às questões entre o privado e público, como, por exemplos, as questões
fundiárias, que o senhor mencionou…

NTC – A mediação, em termos de cultura, no Direito, é recente. Tanto é, que agora é que vai
ser introduzida no curso de Direito, o que é bom, para mudar a mentalidade desses novos
advogados. Mas começou, antes de tudo, entre os particulares mesmo. Nós temos o Cejusc
social, o ambiental, o virtual que abrange tudo, ou seja, quem precisar, independente de ser
público ou privado, pode invocar o Cejusc. Ou pode nos chamar para mediação e conciliação.
 
 

“Então alguém entende que não pode haver mediação
quando envolve direito difuso, por exemplo…
Eu, pessoalmente, acho que pode…
a gente tem que ver, entre o direito difuso,
o que é possível de negociar e o que não é”

  
RP – E em relação ao Estado?

NTC – Com relação ao Estado, precisamos definir o que é direito disponível ou indisponível. O
que pode ser negociado ou o que não pode. O que entendemos é que quando a gente senta
em uma mesa de negociação, o próprio Estado já está disposto a negociar. Não é concebível
que se sente à mesa para falar que não quer negociar. Então nem venha para negociação.
Então, geralmente, quando se trata de valores, há um entendimento que valores são
disponíveis. Que eu posso transacionar, que eu posso negociar esses valores. Então isso facilita
muito. Imagina… estou dando exemplo de Cejusc ambiental. Aí vai discutir direito difuso, que

atinge um número enorme e indeterminado… e direito coletivo, que é um número
determinado, mas grande de pessoas. Então alguém entende que não pode haver mediação
quando envolve direito difuso, por exemplo… Eu, pessoalmente, acho que pode… a gente tem
que ver, entre o direito difuso, o que é possível de negociar e o que não é. Nós precisamos da
atitude por parte do Ministério Público e do Estado, no sentido de entender que, se sentou à
mesa de negociação, é possível negociar. Porque, às vezes, ao não negociar, o prejuízo é maior
para o Estado.

 “Essa mentalidade de direito indisponível que modifique.
Senão, não vamos avançar muito com relação aos entes públicos,                                                                                                      em se tratando de negociação e mediação”

Dou como exemplo essas execuções que a Fazenda Pública propõe. Às vezes não leva a nada,
só gasta… as pessoas não têm bens… E o que pode ser feito extrajudicialmente, como tem
acordos, é uma negociação. Se a pessoa tinha que receber 100, recebe 20; mas recebe algo, ao
invés de não receber nada. Mas aí há argumentos como… “mas é direito indisponível… não
posso transacionar com isso, pois vou prejudicar a população”.  Então, não transaciona, mas
vai prejudicar ainda mais, pois não vai receber nada. Então, essa mentalidade de direito
indisponível que modifique. Senão, não vamos avançar muito com relação aos entes públicos
em se tratando de negociação e mediação. Já ouvi argumentos de que não é possível negociar,
porque a pessoa representa uma comunidade que não está presente.
 
Mas a questão é de representação e de consciência. Eu, antes de ir para uma mesa de
negociação, eu levo todas essas hipóteses, essas premissas, para essas pessoas, e pergunto
para eles até quanto eles me permitem negociar.   Igual à questão da Vale. Se nós formos ouvir
um por um, por um, por um, não vamos acabar nunca. Cada um tem o seu interesse, que
diverge. Por isso que tem a representação. Ao invés de cada um pedir 100, 200 e 300… nós
fizemos a média. Vamos pagar aí 70 para todo mundo e todo mundo recebe mais rápido. É
essa mentalidade que nós queremos. Ou seja, a mudança comportamental, mudança de
postura para que a negociação tenha sucesso.
 
NTC – Há consenso no meio jurídico em relação ao direito indisponível? Pois, se não se pode
negociar um direito indisponível, em tese, a Vale não poderia fazer um acordo… Pois o meio
ambiente não seria um direito difuso, que impediria a negociação?
 
NTC – O avanço está aí. No direito difuso é assim, indisponível. Mas a negociação do valor é
totalmente disponível. Até mesmo, porque precisa de uma fixação, precisa de uma perícia. E
vai chegar a um valor que nem sempre é integral. É um pouco arbitrário. O perito faz, as partes
concordam ou discordam, e o juiz homologa. Mas, a rigor, nunca haverá uma recuperação,
ainda em se tratando de direito ambiental, em recuperação integral. E a questão da rapidez?
Será que até realizar uma perícia daqui a três, quatro, cinco anos, não é melhor eu receber

algo já, para investir no meio ambiente? E a recuperação não vai ser maior do que esperar esse
tempo todo? Essa mentalidade, nós temos que trabalhar é por aí. Na Justiça do Trabalho há
um entendimento e eu concordo com isso… é indisponível enquanto não for judicializado. Se
judicializou, pode sentar e negociar. Seria uma proposta mais em prol da negociação da
mediação. Porque se tratando do Estado, tem que ter uma lei autorizando. Eu acho que nem
precisaria. Ou seja, desde que o procurador, o advogado do Estado fizesse o acordo, tomaria o
cuidado de justificar bem e pronto. A questão é de consciência tranquila.
 
RP – O senhor está acompanhando esse processo na AGE, com a criação da CPRAC?
NTC –Sim, é o ideal. É uma nova postura.
 
RP – Nessa câmara, o que é decidido ali tem o mesmo valor jurídico do que é decidido no
TJMG?
NTC – É um acordo extrajudicial. Aqui no TJMG a gente homologa. Mas nada impede que eles
mandem para homologar.
 
RP – Mas não gera uma insegurança jurídica?
NTC – Não, a administração pública não pode voltar atrás. Fazem coisa julgada administrativa
os atos dela.
 
RP- Independentemente do governo?
NTC – Independentemente do governo! O governo pode requerer a anulação, mas isso
inclusive em relação às sentenças nossas, do tribunal. Essa questão aí também é de
honestidade vinda do governo posterior, pois o Estado é uma instituição que tem que dar
sequência. E não retroceder…
 
RP – Mas acontece…
NTC – Sim, pode ser por acordo judicial ou extrajudicial. Se o governo vai retroceder, tem que
entrar com uma ação de anulação de atos administrativos. E, mesmo se homologar, se quiser
retroceder, vai ter que entrar com uma ação de anulação de ato judicial. Da mesma maneira.
 
RP – A questão é querer ou não retroceder…
NTC – A honestidade. A questão é favorecer o acordo e entender que isso é política pública
também. O Estado não ganha nada em ficar retrocedendo, em ficar revendo. Não é bom para
o Estado. Perde a credibilidade, já tão pouca do próprio Estado em princípio, em querer rever
acordo. Imagina um procurador, um advogado do Estado, desautorizado. Temos que caminhar
para frente e não caminhar para trás, que é um desserviço para a mediação.
 

 “Há caminhos para a corrupção? Há, em tudo.
Mas, agora, a questão então é de educação e de honestidade.
Não há como cercar a corrupção e a desonestidade                                                                                                                                se a pessoa for corrupta e desonesta”

 
RP – Há quem coloque como questão, em relação à mediação, o risco de corrupção… A
mediação favorece a negociação e abre brechas para a corrupção?
NTC – Eu não gosto dessa colocação, e vou explicar por quê. Há caminhos para a corrupção?
Há, em tudo. Mas, agora, a questão então é de educação e de honestidade. Não há como
cercar a corrupção e a desonestidade se a pessoa for corrupta e desonesta. Porque a questão
toda é: o juiz vai homologar a vontade das partes. Mas se a pessoa se corrompeu ou está
encampando a corrupção com aquele acordo, nada impede que se promova a anulação de ato
judicial. Da sentença homologatória. Tudo é questionável. Mas temos que trabalhar com a
boa-fé.
 
RP – O senhor gostaria de enviar uma mensagem, uma conclusão sobre a desjudicialização?
NTC – Agradeço por essa oportunidade. Temos que mudar essa mentalidade. E vamos mudar a
mentalidade de todos com publicações como esta. É uma cultura nova, que nós só vamos
mudar com essas publicações, com a leitura… É uma cultura nova, de fundamental
importância. Antes desse código atual (Código de Processo Civil, de 2015), se falava em
meios alternativos de resolução de conflitos. Hoje já se fala em meios adequados. Quando eu
era presidente do IBDFAM Minas Gerais (Instituto Brasileiro de Direito de Família), nós criamos
um grupo de estudos da mediação e depois começamos a praticar na primeira Vara de Família
e fomos pioneiros nisso. E que repercutiu em todas as varas e depois veio o Conselho Nacional
de Justiça e normatizou essa questão. É um assunto que eu já via, principalmente na área de
Família, de suma importância. Porque, atrás de cada processo desses, é uma família em
desordem. Imagina aquilo. Uma especialização da mediação é justamente a justiça
restaurativa. E estou justamente querendo trabalhar com ela nas fábricas, nos bairros. Nasceu
primeiro no crime, para tentar aproximar vítima e ofensor, continuou na Vara da Infância e
Juventude, mas vejo que pode ser feita no meio ambiente. Restaurar… isso pode ser feito em
todas as áreas, inclusive no Direito Público.
  

“Nós precisamos, e vamos levar ao conhecimento de todos,
através dessas publicações, desses debates,
que não é preciso guerrear.                                                                                                                                                                          Que podemos resolver pacificamente e contribuir”

 
Nós precisamos, e vamos levar ao conhecimento de todos, através dessas publicações, desses
debates, que não é preciso guerrear. Que podemos resolver pacificamente e contribuir. E a
pessoa se sente pertencente àquele acordo. Porque a pessoa também participa. Ela também
fez.  A pessoa sendo construtora da própria lei, da lei individual que vai reger a sua vida. Acho
que tem muita legitimidade nessa proposta. Eu acredito muito na mediação e na conciliação.

Ressalvo: não sou utópico. Eu sei que em alguns casos só a sentença vai resolver. Mas que seja
o mínimo possível, para as coisas que não repercutem tanto em relação ao ser humano e a
humanidade.  Não queremos afastar o advogado não. O advogado é de fundamental
importância na mediação e conciliação.
 
Agora, infelizmente, sabemos que a Defensoria publica, por exemplo, não se faz presente em
todas as comarcas. Aí entra o pré-processual, o Cejucs Virtual para dar visibilidade a essas
pessoas. E, na medida do possível, aqui na 3ª Vice-Presidência, a pessoa, se passar um e-mail,
um WhatsApp, nós vamos esclarecer também os possíveis direitos dela. Mas faço votos que a
Defensoria Pública se institucionalize e se faça presente em todas as comarcas, porque onde
ela se faz presente, os pobres tiveram socorro. É essa nova cultura que almejamos, que vai ao
encontro do Judiciário ágil, rápido e que não exclui pessoas.

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